Ser a favor da descriminalização do aborto é ser a favor da vida.
Eu recebo muitas perguntas, comentários, de pessoas que, muitas vezes feministas, ainda têm uma grande dificuldade de entender a descriminalização do aborto como algo benéfico. Eu entendo perfeitamente estas pessoas, porque eu mesma já pensei exatamente da mesma forma, e até hoje, eu acredito que jamais faria um aborto. Sou ‘contra meu próprio aborto’. Não sou é contra o aborto de outras pessoas. Tem gente que vem aqui e pergunta muitas vezes aquela pergunta engraçada: 'Você é contra ou a favor do aborto?’ Ninguém no mundo é a favor do aborto. O aborto é algo inerentemente ruim, variando de desconfortável a abominável dependendo das opiniões pessoais de cada um.
Eu entendo perfeitamente todos os argumentos das pessoas pró-vida sobre o feto. Acredito que jamais iremos chegar em uma definição do início da vida, pois a vida é um processo contínuo, e pessoalmente gosto muito de fetos. Já conheci uns (mais pro final de gravidez, claro, quando se manifestam) chutando nas barrigas de suas mamães felizes e devo dizer que são divertidos e fofos mesmo antes de nascerem.
MAS COMO VOCÊ É PRÓ-ESCOLHA, FEMINISTA CANSADA????
Eu vou falar aqui, todos os motivos por eu ser pró-escolha, pelos movimentos feministas serem pró-escolha, e por que vários países do mundo já fizeram a escolha de descriminalizar o aborto. E vou respeitar absolutamente o ponto de vista de um feto ser uma vida humana, pois acredito que esta é uma opinião/crença/visão que muitas pessoas têm - e não estão, de maneira alguma, erradas por pensarem desta forma.
Meu namorado uma vez disse que ser contra a legalização do aborto por causa dos direitos do feto é um motivo legítimo - mas é um motivo que ignora absolutamente todas as outras implicações da criminalização do aborto para a sociedade. E nesse texto eu vou falar sobre estas implicações.
(tw: descrições gráficas de aborto)
Em um estudo em escala global, feito pela World Health Organization em Geneva e o Guttmacher Institute em New York, e publicado no Lancet (disponível aqui, em inglês) foi concluído que o número de abortos em países em que o aborto é legalizado e países em que é proibido ou restrito é estatisticamente IGUAL.
Isso implica em principalmente duas coisas:
A criminalização do aborto NÃO REDUZ o número de abortos.
Se o aborto é legalizado, o número de abortos NÃO AUMENTA.
Veja só esta conclusão. Caso o aborto seja crime ou não, restrito ou não,o número de abortos permanece exatamente o mesmo. Ou seja, independente da legislação de um país, um número x de fetos serão abortados.
Agora, pessoas desavisadas que só viram esta estatísticas poderão ~argumentar~ “Ah, então descriminaliza o assassinato também, já que continuam matando pessoas independente se for crime ou não”.
E.. não, meu bem. Primeiro porque a criminalização de assassinato realmente reduz assassinatos. Claro que não há países em que matar alguém seja legal, mas o senso comum te diz que se você matar uma pessoa, há uma grande possibilidade de ser descoberto e preso. Uma pessoa assassinada não é algo fácil de esconder. Fatores como policiamento e desenvolvimento afetam o número de assassinatos de um país.
E o aborto? O aborto é um crime que na maioria das vezes é INDETECTÁVEL. Uma pessoa pode ter um aborto em casa, no banheiro, com um cabide ou agulha de tricô, ou um medicamento, ou qualquer outro método abortivo, sem acompanhamento nenhum, sem contar a ninguém que estava grávida. E pode vir uma equipe de CSI na casa dela que não vai descobrir que ali ocorreu um aborto. Não vai haver uma vítima de aborto desaparecida, porque fetos são vidas que jamais foram registradas. Legalmente, jamais existiram. Só vai ser detectado se esta pessoa sofrer danos suficientes para ir parar no SUS, onde vai ser denunciada por aborto.
E um aborto realizado por uma pessoa de alto poder aquisitivo em uma clínica particular de luxo é ainda MAIS indetectável, por motivos de acordo verbal entre paciente e médico, facilitados pela enorme quantia de dinheiro que é cobrada por um aborto. Caso alguém descubra, a pessoa de classe média alta no máximo vai parar na capa da veja.
Então a criminalização do aborto é uma maneira eficiente de prender pessoas de baixo poder aquisitivo que estão correndo risco de morte - e manter estas pessoas presas por 1 a 3 anos, apesar de não oferecerem perigo algum pra sociedade.
Agora, vamos sair destas comparações e voltar à nossa estatística:
A criminalização do aborto NÃO REDUZ o número de abortos.
Esta estatística também mostra que um número x de fetos não vai nascer, todos os anos, devido aos abortos. Independente da legislação, é o mesmo valor de x.
Então porque lutar pela descriminalização do aborto? Se não faz diferença?
Simples. Porque o aborto ilegal e inseguro mata pessoas. Pessoas ALÉM do número x de fetos que já iriam morrer. Sabe aqueles abortos feitos no banheiro, com agulha de tricô, cabide, e galhos? Eles causam a morte de pessoas. Abortos com médicos incapacitados e mal-equipados, em condições extremas, matam pessoas. Rasgos uterinos e perfuração de órgãos causados pelas agulhas de tricô e cabides usados provocam hemorragia interna, infeccções, esterelização e mortes de pessoas.
Então, se o aborto é legal e seguro: X fetos vão morrer. Nem mais, nem menos.
Se o aborto é ilegal e inseguro: X fetos continuarão morrendo, mais um número Y de pessoas que morreram pelas consequências de terem tentado fazer um aborto ilegal e inseguro.
Qual é a opção que salva mais vidas?
O Feminismo escolheu a opção que salva mais vidas. Escolhemos a opção que salva um maior número de pessoas. Independente de estas pessoas serem nascidas ou não. Independente destas pessoas serem 'culpadas’ ou não, estigmatizadas pela sociedade ou não.
E o feminismo ainda faz mais: Vários estudos, inclusive o citado acima, comprovam que o que REALMENTE reduz abortos é o acesso livre e fácil a métodos anticoncepcionais. E o feminismo sempre foi, em seus vários movimentos, o grande defensor de facilitar o acesso a anticoncepcionais, mesmo enquanto este acesso está sendo restrito até hoje.
Então, não há nenhuma 'hipocrisia feminista’ em ser a favor da descriminalização do aborto. Mesmo quando o feto é considerado um ser humano. A decisão, que está se difundindo cada vez mais pelo mundo, de o aborto deixar de ser um crime, é o resultado de uma análise profunda de causas e efeitos sobre a vida das pessoas - e É a decisão LÓGICA a se tomar quando se defende o direito de todas as pessoas à vida.
Se você defende o direito á vida, por favor, pense nisso com carinho. Considere, além da vida do feto, a vida de todas as pessoas que são afetadas por uma legislação que não corresponde à realidade. E que tem planos de se tornar ainda mais restritiva, a ponto de, em uma situação onde ou se faz o aborto ou a pessoa grávida morre, o estado vai decidir condenar esta pessoa à morte. A ponto de forçar uma pessoa estuprada a ter o filho do seu estuprador.
Fonte : Feminista Cansada
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